Fundo público em disputa: Gastos orçamentários do governo central com a dívida pública, as universidades federais e a ciência e tecnologia no Brasil (2003-2020)
DOI:
https://doi.org/10.14507/epaa.30.6629Palavras-chave:
fundo público, financiamento da educação superior, financiamento da ciência e tecnologiaResumo
No presente artigo, analisamos os recursos destinados pelo governo brasileiro para o pagamento da dívida pública para as Universidades Federais e para a Ciência e Tecnologia no período de 2003 a 2020. Para efeito comparativo, apresentamos os recursos destinados, ano a ano, à dívida pública, às Universidades Federais, à função Ciência e Tecnologia e aos órgãos de apoio e fomento à pesquisa. Trata-se de um estudo documental. Os dados primários foram coletados no portal da Câmara dos Deputados, tabulados e atualizados monetariamente para janeiro de 2021, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). No período de 2003-2020 o Governo Federal destinou ao pagamento de juros encargos e amortização da dívida de R$ 9,497 trilhões. Tal montante representou 12 vezes mais que os recursos destinados às Universidades Federais e 55 vezes mais que à Ciência e Tecnologia. A destinação de uma parcela significativa do orçamento federal para viabilizar a rentabilidade do capital na esfera financeira, por meio do pagamento da dívida pública, representa um importante obstáculo estrutural à ampliação dos recursos destinados ao financiamento das Políticas Sociais, da Educação Superior e da Ciência e Tecnologia no Brasil.
A hipótese central é que o neoliberalismo brasileiro optou por uma integração ainda mais subordinada ao circuito de produção e distribuição do valor em escala mundial, com forte dominação do capital financeiro, e as políticas econômicas implementadas pelos diversos governos, desde então, tem elegido como prioridade absoluta a destinação de grande parcela do orçamento federal para o pagamento da dívida pública. Esta opção transformou o país em plataforma de valorização do capital rentístico e, ademais, tem implicado em dificuldades de promoção de políticas sociais na abrangência exigida pelas necessidades da nação e das camadas subalternas da sociedade brasileira.
Para efeito comparativo, mostram-se o montante de valores destinados, ano a ano, à dívida pública, às universidades federais, à função ciência e tecnologia, bem como a órgãos de apoio e fomento à pesquisa. Trabalha-se com dados primários coletados no portal da Câmara dos Deputados, tabulados e atualizados monetariamente para janeiro de 2021 segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) apurado e publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). Esse procedimento permite que os montantes destinados a cada rubrica ou órgão sejam comparados ano a ano, ao longo do período abrangido pelo estudo.
O estudo permite afirmar que há inequívoca continuidade dos parâmetros e bases do projeto neoliberal no Brasil, cobrindo todo o período dos governos civis que cobrem mais de três décadas. O rentismo, a privatização clássica e não clássica (parcerias público-privadas), a desregulação, a hipertrofia do capital financeiro e do setor de bens primários e vulnerabilidade externa são características do padrão neoliberal de acumulação capitalista constantes, apesar, et pour cause!, das mudanças operadas pelos governos do Partido dos Trabalhadores. Em todo esse período, só aumentou a drenagem de recursos do orçamento da União para o pagamento da dívida pública, o que se tornou um sério obstáculo ao financiamento das políticas sociais ao lado do sistema tributário regressivo.
É isso que se demonstra nos seguintes dados referentes ao período de 2003-2019: 21,011 trilhões de Reais foram destinados para a dívida pública, incluindo o refinanciamento, o que representou média anual de 45,66% do orçamento federal; somente com juros, encargos e amortizações, a União destinou 8,815 trilhões de Reais, o que representou 18,88% do total das despesas anuais. Este último total representa 7 vezes mais que os recursos destinados para a função educação (R$ 1,340 trilhão), 5 vezes mais que os recursos destinados à saúde (R$ 1,848 trilhão), 55 vezes mais que os recursos destinados à ciência e tecnologia (R$ 160,836 bilhões) e 11 vezes mais que as despesas com as universidades federais (R$ 767,325 bilhões).
A pesquisa demonstra, também, que a partir de 2014 se intensificou uma crise de natureza política e econômica que iria redundar no golpe institucional contra Dilma Rousseff, em 2016, expandir e aprofundar uma agenda regressiva com cortes nos orçamentos das políticas sociais. Na esteira da Emenda Constitucional 95/2016, as despesas orçamentárias com as universidades federais, com ciência e tecnologia e com órgãos de apoio e fomento à pós-graduação e à pesquisa sofreram grave queda. Um exemplo é o que ocorreu na rubrica Ciência e Tecnologia cujas verbas decresceram 56,36% comparando-se os anos de 2013 e 2019. Quanto às universidades, se os recursos globais apresentaram pequeno crescimento de 2,18%, os valores destinados ao investimento tiveram queda abrupta de 95,04% e os recursos para o custeio apresentaram uma redução de 27,97%, causando grave crise financeira das instituições.
A crise afetou gravemente órgãos vinculadas à C&T e à pós-graduação, como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O primeiro teve suas verbas diminuídas em 58,70% quando comparados os anos de 2016 e 2019. Já o CNPq teve seus recursos reduzidos na ordem de 52,39% tomando por base os anos de 2014 e 2019, ficando abaixo dos recursos gastos no ano de 2003.
A superação da atual crise de financiamento que afeta as universidades federais e a ciência e tecnologia no Brasil se inscreve nas lutas mais gerais da classe trabalhadora brasileira contra a agenda regressiva em curso e contra o padrão de acumulação rentista que historicamente se desenvolveu em nosso país. A consolidação de um robusto sistema nacional de educação e de um complexo público de ciência e tecnologia no Brasil implica na construção de um outro projeto de desenvolvimento, na construção de um projeto nacional de desenvolvimento de acordo com os interesses imediatos e históricos daqueles que vivem de seu próprio trabalho e constroem a riqueza deste país.
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